Eis a primeira regra para sobreviver ao Upper East Side: não seja você mesma. Nunca. Não importa o quanto você saiba como é interessante ou descolada. Mães desta parte de Nova Iorque não sobrevivem na selva sendo elas mesmas. Elas sobrevivem sendo qualquer outra pessoa, menos elas mesmas. E essa é a nossa história.
Emily Kendrick era a mais nova de todo o grupo. Seu cabelo ruivo bem repicado, seus olhos azuis penetrantes, seu diploma de jornalismo abandonado e substituído por um contrato nupcial com o dono de uma multinacional. Ela tinha tudo para ser feliz.
Seus dois gêmeos, o pequeno Peter e a adorável Anne, frequentavam o St. Mary Hall todos os dias, para que, quem sabe, daqui a quinze ou dezesseis anos, entrassem em Harvard.
O dia da ocupadíssima senhora Kendrick era preenchido com palestras sobre a verdade da maternidade, arrecadamento de fundos para crianças haitianas, chás com a primeira-dama de Nova Iorque e, raramente, diálogos rápidos com os filhos e sexo frio com o marido.
“Mamãe!”, gritaram Peter e Anne ao chegar em casa e perceber que a mãe estava na sala assistindo Oprah.
“Peter”, ela beijou a cabeça do mais alto. “Anne!”, ela beijou a bochecha da menina que mal havia completado seu segundo ano de vida.
“Você fica, querida?”, o marido havia chegado junto com as crianças no luxuoso duplex.
“Não posso. Hoje é quinta-feira. Meu dia com as garotas”, ela disse, se levantando enquanto trazia a Louis Vuitton junto ao peito.
“Por que você nunca fica?” replicou o marido fiel. “Sentimos sua falta no jantar”.
“Prometo que amanhã jantaremos todos juntos como a família unida que somos!”, ela sorriu, mentirosa. De fato, jantariam juntos, mas jamais seriam uma família unida.
Emily voltou a empunhar a bolsa de couro de crocodilo e saiu porta a fora, o chofer lhe esperando para levá-la até aquele luxuoso Café na Quinta Avenida.
As portas do Café abriram-se lentamente enquanto ela entrava, silenciosa. Talvez ali e agora, Emily poderia ser feliz.
No restante do tempo, tinha tudo para ser feliz. Mas não era. Era uma dona de casa do Upper East Side.
Samantha Roswell era uma mulher bem-sucedida, nupcialmente falando. Era. Até que aquela noite de setembro chegou.
Havia nevado antes do tempo, a senhora Roswell preocupada com a demora do marido em chegar em casa, sem sequer telefonar para explicar-se. Chamou o motorista e rumou até o prédio da Roswell Publicações. Foi até a cobertura do gigantesco edifício e abriu a porta do gabinete do presidente.
“Ai! Senhor Roswell, continue!”, berrava a secretária com a metade da idade de Samantha.
Ele não continuou.
Pelo contrário, parou. Olhou, estático, para o vulto assustado na porta da sala. Vestiu as calças e fechou a braguilha num piscar de olhos. Ajeitou os cabelos ralos na lateral da cabeça e disparou:
“Querida, não é nada disso do que você está pensando!”
“Não pensei nada, amor”, ela sorriu. “Eu vi.”
Os cinco dedos da mão direita de Samantha ficaram marcados no rosto do homem.
“Espero você para o jantar?”, emendou ela.
“C-claro”, gaguejou o cafajeste.
E nunca mais se falou sobre isso. Samantha chorava todas as noites junto à janela da sala. Um choro silencioso, calmo, regado a uísque e vodca. Um típico choro do Upper East Side.
Aaron e Callie, seus filhos, já em Yale e Harvard, respectivamente, não sabiam da história. Nem nunca saberiam. Eram uma família perfeita demais para que a histeria de um dos filhos destruísse isso.
Neste exato momento, Samantha queria chorar desesperadamente. No entanto, estava sentada naquele café junto com sua amiga, esperando pela chegada de Emily.
Tão logo Emily chegou, a conversa começou.
O teatro do Upper East Side continuava.
Miranda Weldenstock era uma mulher divinamente estática. Buscava em injeções faciais de Botox a juventude que havia sido roubada dela, décadas atrás. Não tinha mais marido, há muito decompunha-se naquela lápide caríssima. Seu único filho, Terrence, a visitava apenas uma vez por ano.
Talvez o Botox fosse seu único e verdadeiro amigo. Talvez ele lhe devolvesse a alegria que parecia ser sido sugada pelas rugas que começavam a crescer.
Sexo não lhe faltava. Jovens da Grande Maçã viam nela um pecado a mais, uma tentação escondida.
Uma coroa gostosa, como já lhe disseram infinitas vezes após a transa.
Mas ela não gostava de ser chamada assim, mesmo que pelos lábios de Aaron, filho da invejavelmente bela Samantha Roswell. Miranda e Aaron encontravam-se todo fim de semana, quando o jovem Aaron vinha visitar a mãe.
Antes que desse por si, seus gemidos eram abafados pelo travesseiro de plumas exclusivíssimas. Entre superlativos confundidos com adjetivos na hora do sexo, o segredo mantinha-se entre os dois. Aaron tinha namorada e Miranda… velha demais para aquele rapaz.
Velha, bufava ela.
E assim sua vida delineava-se, patética e miseravelmente infeliz. Mas ela apenas sorria e aguardava pelo encontro com as amigas. E agora, após a chegada de Emily, preparava-se mais uma vez para seu teatro rotineiro.
Mulheres do Upper East Side.
O encontro começou com a risadinha típica daquelas três mulheres. Emily sentou-se e começaram a conversar.
“Ah! Stuart está cada vez mais romântico!”, mentiu Samantha. “Meu marido é tão invejável!”
“Nem me fale! Eu converso muito com Josh! Anne e Peter adoram sentar junto conosco para rirmos juntos!”, mentiu Emily.
“Sinto muita falta do Stan”, mentiu Miranda, tendo sua mão afagada pelas amigas.
Mentiras, mentiras, mentiras.
Era nisso que tudo orbitava.
Samantha desejava urrar sobre sua infelicidade no casamento.
Emily, o quanto era infeliz por ter abandonado a carreira de jornalista.
Miranda queria que todos soubessem que ela gostava de homens mais novos e o quanto se sentia jovem, mesmo com quase 60 anos.
Mas não, elas não gritariam. Mesmo que compartilhassem suas dores, mesmo que dividissem suas amarguras, não gritariam. Donas de casa do Upper East Side não gritam, apenas sorriem na mais impossível mostra de felicidade medíocre.
E elas continuaram conversando. Mães infelizes, manequins imperfeitos.
Mãenequins da tristeza contida.